Este é um espaço dinâmico, pensado para o intercâmbio de conhecimentos, ideias e reflexões sobre Negócios Alimentares Regenerativos. É um espaço onde compartilhamos alguns dos aprendizados do Projeto NAR, em particular alguns conceitos e resultados de estudos realizados. Ao mesmo tempo, também encontrarão outros estudos e documentos externos que nos inspiram e que acreditamos que podem contribuir muito para o processo de amadurecimento e entendimento da abordagem “regenerativa”.
Esperamos que este espaço cresça com o tempo e que todas as informações apresentadas possam contribuir para a construção de novos conhecimentos, dinamização de ações e colaborações que nos permitam fortalecer o ecossistema NAR.
Coletores de sementes florestais na comunidade da Ilha das Cinzas, Amazônia brasileira. Foto: Álvaro Zarate
Elaboramos nossa narrativa sobre o que entendemos por Negócios Alimentares Regenerativos, a partir de uma série de discussões realizadas dentro do consórcio NAR, desenvolvidas com base em revisão de literatura acadêmica, literatura técnica e outras referências que ajudaram a construir o entendimento que apresentamos aqui.
Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que esta compreensão está em constante evolução, sempre tendo em mente o desafio que é transitar em direção à regeneração nos diferentes contextos latino-americanos.
Os Negócios Alimentares Regenerativos (NAR) são iniciativas que priorizam a centralidade da natureza na abordagem empresarial para a produção de alimentos.
Nos NAR, a conservação, restauração e fortalecimento dos ecossistemas são eixos centrais das atividades, propósitos e proposta de valor do negócio. Ao mesmo tempo, estão alinhados a uma abordagem abrangente e holística que busca garantir que a equidade, a justiça sociocultural e a prosperidade econômica sejam distribuídas em toda a cadeia* de abastecimento e processos a que estão ligados.
A agricultura regenerativa é uma abordagem de manejo holístico que, ao priorizar a centralidade da natureza, restaura a saúde de sistemas vivos como solo, biodiversidade, água e bem-estar animal, imitando processos ecológicos para gerar sistemas produtivos mais resilientes. Ao mesmo tempo, é um modelo que promove a equidade, a justiça sociocultural e a prosperidade econômica no contexto produtivo e integra as diferentes formas de conhecimento, desde o ancestral até o científico-tecnológico.
Acreditamos que existem muitas abordagens de negócios que são felizmente próximas a proposta regenerativa, embora também tenham diferenças. Nesse sentido, acreditamos que o “nome” ou “rótulo” utilizado por um negócio (por exemplo, sustentável, agroecológico, orgânico, etc.) ou as práticas que caracterizam esse “nome”, não é necessariamente o que define um NAR.
O que acreditamos diferenciar um NAR de qualquer outro tipo de negócio é seu objetivo de existência, seu propósito de vida, seu caminho para atingir seus objetivos que sim ou sim buscam melhores cenários para o sistema natural, sociocultural e econômico onde incidem, de forma constante, sem hesitar em seus esforços e com medidas para mudar os padrões e paradigmas negativos dominantes em seu contexto.
As práticas, normalmente realizadas pela abordagem regenerativa, dividem espaço com outras linhas de agricultura também saudáveis para as pessoas e para o planeta. Portanto, a prática não é necessariamente, em si, o diferencial.
O NAR busca esse horizonte, independentemente de ser denominado como agroecológico, orgânico, sustentável, biodinâmico etc. Se esse traz a abordagem regenerativa com práticas que comprovadamente demonstram a evolução do negócio em sua complexidade ambiental-sóciocultural-econômica, esse negócio poderia ser considerado pelo menos em processo de regeneração.
Consideramos que a regeneração é um ¨processo¨, que passa por níveis complexos de transição-ação (ainda incertos e claros na prática para nós), porém com um objetivo e um caminho muito claro onde pretende chegar.
O esforço para desenhar o processo de transição para uma abordagem regenerativa é estudado por diferentes autores, acessíveis no repositório no final desta página. O Consórcio NAR pretende avançar com uma proposta que ajude a ponderar essas diferentes etapas de transição, a partir das experiências mais aprofundadas, em entrevistas e visitas de campo aos negócios mapeados.
Esperamos que as particularidades e limitações identificadas nos negócios estudados permitam o desenvolvimento de estratégias para medir essa "evolução regenerativa" de forma fundamentada no contexto latino-americano. Ao mesmo tempo, para nós é fundamental que esses instrumentos sejam acessíveis aos usuários do HUB e sirvam para complementar ideias já existentes ou contribuir para a evolução e amadurecimento desse conhecimento.
Enquanto avançamos nessa reflexão, compartilhamos aqui duas interessantes propostas de transição desenvolvidas por diferentes autores. Um desses materiais propõe uma visão macro desse cenário, mostrando como esse contexto se enquadra em diferentes escalas, até a integração da consciência humana a um plano biocêntrico. O outro faz um zoom em como seria essa transição da prática em diferentes elos da cadeia de valor.
O HUB NAR é o resultado de uma construção coletiva de um consórcio de diferentes organizações latino-americanas que acreditam na transformação positiva dos sistemas alimentares para a regeneração de paisagens e sociedades. Atualmente, o consórcio é formado por 10 Organizações vinculadas através do Projeto NAR: Negócios alimentares regenerativos e investimento com lentes de gênero: regeneração para uma melhor reconstrução da Amazônia e do Corredor Seco Centroamericano da América Latina e Caribe.
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A visão ecocêntrica entende que nossas ações ou negócios estão conscientes da base natural com a qual interagem e da qual são ecodependentes. Os NAR conhecem os recursos disponíveis, seus limites e oportunidades e, a partir dessa perspectiva, desenvolvem seu modelo de negócios e suas ações. Portanto, o negócio molda suas práticas de acordo com o sistema natural ao qual está integrado. Neste caso, o sucesso do negócio passa não só pela saúde financeira, mas sobretudo, pela saúde do sistema natural no qual incide.
Na visão holística, as relações e as atividades desenvolvidas no contexto empresarial levam em conta não apenas as diferentes partes do sistema e suas interações, mas também buscam entender cada elemento daquele sistema em sua totalidade e complexidade. Um negócio que parte dessa visão não se limita a reflexões e ações de “curto prazo”: ele entende a importância de reflexões e ações de longo prazo, que normalmente consideram processos, interações e impactos indiretos.
Considerando que o negócio parte de uma visão ecocêntrica, onde é fundamental que a conservação dos recursos disponíveis e a sua recuperação seja algo constantemente presente nas suas práticas e intrínseco à sua visão empresarial. Ao mesmo tempo, as empresas podem estabelecer ações diretas ou indiretas com esse objetivo. Há negócios que já nascem num contexto em que a conservação é algo natural e inerente à sua existência, há outros que abraçam esta proposta depois da sua criação e evoluem com base nessa lógica.
Práticas associadas a esse princípio
- protege florestas na fazenda ou matas ciliares.
- protege a saúde física, química e biológica do solo
- promove a biodiversidade
- destina áreas para restauração ou regeneração natural
- apoia ou facilita insumos para restauração ou conservação.
- promove a conectividade ou o fluxo de flora e fauna
- valoriza o uso de espécies nativas
- busca o bem-estar dos seres vivos
- não utiliza ou minimiza o uso de insumos químicos
- promove a educação geracional para a conservação
Sincronizar com os ciclos naturais significa mimetizar e aproveitar a energia que o sistema fornece para o desenvolvimento das ações. A circularidade dos recursos é uma forma de aproveitar ao máximo essa energia que se transforma constantemente. Isso permite acelerar processos naturais, baratear custos, evitar inconsistências produtivas que levam a perdas econômicas significativas, além de fortalecer a possibilidade de que esse sistema natural adquira maior resiliência para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e outros eventos.
Práticas associadas a esse princípio
- promove uma economia circular
- mantém o terreno coberto (por exemplo: cobertura viva ou morta)
- minimiza ao máximo o revolvimento do solo
- produz insumos biológicos com matéria-prima da fazenda (ex.: composteiras, bioinsumos)
- trabalha com safras da época
- trabalha com a lógica da sucessão natural das espécies
- integra espécies perenes em seus sistemas
- diversifica, rotaciona e estratifica culturas
- é eficiente no uso de energia e água
- maximiza os recursos do sistema
- maximiza as relações biológicas e a biodiversidade
Partimos do pressuposto de que a abordagem empresarial regenerativa busca garantir uma distribuição justa de benefícios, oportunidades, responsabilidades, custos e ônus entre as partes envolvidas e vinculadas ao negócio. Acreditamos que essas iniciativas trazem inerentemente essa proposta, onde os grupos sociais que compõem as atividades ou a cadeia de negócios* fazem parte de suas prioridades, permitindo e promovendo o crescimento conjunto e a equidade de gênero, étnica ou geracional.
Práticas associadas a esse princípio
- promove políticas e ações inclusivas de gênero e grupos sociais vulneráveis
- fortalece e torna visível o papel da mulher nas cadeias produtivas*
- impulsiona o conhecimento das pessoas dentro e fora da empresa
- oferece oportunidades para o crescimento profissional dos funcionários
- regenera o tecido social das comunidades
- valoriza o conhecimento ancestral e suas tecnologias
- promove a governança participativa do negócio
- distribui de forma justa os lucros do negócio
- promove e aplica os direitos humanos
- se responsabilizam por suas ações e impactos na paisagem
Acreditamos que a equidade de gênero deve ser um princípio transversal ao negócio, pois busca garantir o espaço de direito, acesso e controle, independentemente do sexo ou gênero das pessoas. São promovidas iniciativas que buscam suprir lacunas e desvantagens históricas vivenciadas pelas mulheres que se refletem em uma proposta de mudança nas relações de poder dentro do negócio ou na cadeia produtiva* como um todo.
Cada contexto multicultural merece um olhar particular. O conhecimento dos diferentes povos indígenas e outras comunidades tradicionais da América Latina é historicamente desvalorizado. Muitos dos modos de produção e manejo, além dos diversos usos da biodiversidade, fazem parte de seus saberes, que foram apropriados por outras narrativas externas a esses povos. Esta inteligência prática, vivida ao longo de décadas e séculos, tem muito a contribuir para as novas tecnologias e abordagens de um negócio regenerativo, por essa razão, dar visibilidade a essa riqueza de saberes e conhecimentos é essencial.
Acreditamos que um negócio regenerativo deve ser capaz de se sustentar financeiramente e evoluir, a maior parte das suas práticas, com independência financeira enquanto melhora o sistema natural no qual incide e as comunidades com as quais interage. Entendemos que esta viabilidade permite o acesso aos recursos necessários para o bem-estar social, saúde e outras necessidades básicas fundamentais aos diferentes membros da empresa, desde proprietários e direção aos trabalhadores e trabalhadoras. Da mesma forma, essa viabilidade financeira não deve se sobrepor aos princípios de justiça e equidade social, na medida em que gera benefícios internos em detrimento dos demais atores distribuídos na cadeia produtiva*. Espera-se que, à medida que o negócio alcance a lucratividade, a prosperidade seja distribuída de forma justa em seu contexto.
Práticas associadas a esse princípio
- promove a economia circular
- distribui lucros justos na cadeia de suprimentos*
- gera fluxo de caixa estável
- prioriza cadeias curtas de comercialização*
- promove a transparência na gestão de recursos
A segurança e soberania alimentar e nutricional (SSAN) para um NAR é um objetivo explícito. Desde o tipo e qualidade da alimentação oferecida à forma como este negócio, direta ou indiretamente, contribui para contexto da SSAN no seu meio ou cadeia de valor*. Acreditamos que essa contribuição à alimentação não deve partir de fontes duvidosas, como o uso de transgênicos ou o tipo e quantidade de insumos que colocam em risco a qualidade dos alimentos e a saúde das pessoas.
Práticas associadas a esse princípio:
- oferece alimentação saudável
- prioriza espécies nativas e uso ancestral
- promove alimentos subutilizados ou não convencionais
- desenvolve iniciativas de educação alimentar e nutricional
- não utiliza ou reduz ao máximo e gradativamente o uso de agroquímicos
- não usa transgênicos
- minimiza ao máximo os resíduos químicos nos alimentos e no solo
- busca estratégias para tornar o produto economicamente acessível a diferentes grupos sociais
Esta escala se refere a negócios alimentares cuja ação ou impacto se limita principalmente à unidade produtiva e beneficia diretamente a família proprietária do negócio ou um grupo de pessoas empreendedoras/sócias que são donas do negócio.
Os negócios que impactam a nível local ou comunitário são empresas, associações e cooperativas, entre outros, que beneficiam diretamente um conjunto de famílias, por meio da oferta de emprego ou de melhorias no contexto socioeconômico e ecológico da comunidade da qual fazem parte. Esses negócios podem envolver ativamente a comunidade na mudança de suas práticas e na criação de oportunidades para seu futuro, ou podem ser negócios de base comunitária, criados e gerenciados por essa e para seu benefício.
A escala de paisagem é mais ampla que a escala local, geralmente milhares ou milhões de hectares. Essas paisagens podem ser uma microbacia, uma bacia hidrográfica, um ecossistema, um conjunto de áreas naturais protegidas, municípios, entre outros. É o tipo de negócio que causa impactos diretos ou indiretos em territórios e ecossistemas que abrangem várias comunidades ao mesmo tempo. Além da escala local/comunitária, esse tipo de negócio pode envolver ativamente a comunidade na mudança de suas práticas e na viabilização de oportunidades para seu futuro, ou pode ser um negócio de base comunitária, criado e gerenciado por e para o benefício da comunidade.
Quando falamos de bioma ou bioregião, estamos nos referindo a territórios que abrangem um conjunto de ecossistemas com características ecológicas comuns e que são fundamentais para a resiliência social, cultural e ambiental de um território. Em geral, essa escala pode abranger territórios nacionais ou regionais, total ou parcialmente. As empresas que trabalham nessa escala têm a capacidade de impactar diferentes paisagens com ações diretas e indiretas em diferentes contextos socioculturais, econômicos e ecológicos.